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quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Entrevista: Roberta Medina, dez anos depois da insanidade do pai

Entrevista: Roberta Medina, dez anos depois da insanidade do pai



Imagina você ter um pai bem-sucedido, famoso por ter organizado o primeiro grande festival de rock num Brasil em plena transição política e ávido pelas novidades do cenário internacional. E logo aos 22 anos receber dele a missão de ser a coordenadora de produção da terceira edição do evento. Tudo na base do “se vira aí, garota”.
Após passeios pela obra, jantares para as bandas em casa e outras poucas lembranças de 1985, passando pela curtição de visitar os camarins e os shows que quisesse de 1991, a “mamata” acabou para Roberta Medina em 2001. Mal atingiu a maioridade, e já assumia um cargo de grande responsabilidade na gerência do maior festival de música do país. Tudo isso, vale lembrar, sob os olhares críticos de quem via nela “uma patricinha”, ou então, “a filha do homem”.
“Foi uma insanidade do meu pai [Roberto Medina]. Alguma razão ele deveria ter, porque eu não produzia efetivamente, eu geria informação. Eu assumi mais responsabilidade do que eu poderia. Mas funcionou bem porque eu tinha a melhor equipe de show business do Brasil para me ajudar”, relembra.
Foi com a melhor equipe de produtores do país que ela cresceu e apareceu. Dez anos depois, Roberta Medina não é apenas a vice-presidente do Rock in Rio 2011, que tem início no próximo dia 23 de setembro. Aos 33 anos, a empresária hoje tem no currículo seis edições do evento realizadas na Europa – para onde se mudou de vez. Hoje mora em Lisboa, Portugal, cidade que já recebeu, para inveja dos cariocas, quatro edições do Rock in Rio em menos de uma década. Em suma, tem hoje experiência de sobra.
“Muda acima de tudo o conhecimento, de saber o que está fazendo, não é mais um ‘mergulha e vai’, agora a gente pensa mais”, explica. Pensou tanto que já impôs, inclusive, o seu próprio estilo ao festival – foi dela a experiência bem sucedida na Europa (também em Madrid), e que chega pela primeira vez ao país, do palco Sunset, que poderia muito bem se chamar “palco experimentação”, onde jam sessions para lá de improváveis vão aquecer o público antes das grandes atrações do palco Mundo.
Nesta entrevista exclusiva, Roberta Medina faz um balanço do festival e, claro, da sua carreira. Relembra ainda histórias bizarras como a do “peladão” do Queens of The Stone Age, em 2001, revela que a oportunidade de viver na Europa e levar para lá o festival mudou a sua vida, e que a edição deste ano do Rock in Rio será diferente em tudo. Ela disse TUDO! “O público nunca viu nada igual, te garanto”. A ver, então, a ver...

Sua vida profissional é toda guiada pelo Rock in Rio?
Não é que seja guiada, mas é uma parte grande, digamos que 50% do meu tempo são para outros projetos. Metade, portanto, para o Rock in Rio. O fato de crescer perto dele, ter o presidente que é o Roberto [Medina, pai], e ter um time forte, faz com que a gente se divida, pois ele [festival] é uma empresa. Dá “muuuuito” trabalho. A gente, então, vai se multiplicando.
O que é muito engraçado para mim também é que o Rock in Rio é como se fosse um irmão. O Roberto é apaixonado pelo projeto, é o filho querido dele. Tudo o que passou de ruim, superações, estar presente hoje em três países [Brasil, Espanha e Portugal], é tudo muito emocionante. Somos todos parte de uma máquina que fez o festival crescer!
Você chama sempre o seu pai de Roberto?
Não, não, chamo ele de pai, se chamasse de Roberto ele ficaria mal humorado comigo. Mas profissionalmente eu prefiro chamar de Roberto.
Qual a lembrança que você tem da época que o seu pai organizou o primeiro Rock in Rio, em 1985? Você já tinha alguma noção do que representava o festival para o país?
Nenhuma dimensão. Tenho apenas memórias de brincar com produtos oficiais. Eu fui em dois dias, fiquei nos bastidores, lembro de botar gel colorido no cabelo, que era moda na época, e óculos coloridos. Tantas coisas divertidas. Lembro também de me perder na obra (risos). Estava ao lado de uma tenda, e eles [pai e funcionários] do outro. Quem me achou foi um funcionário do meu pai. Eu fiquei aos prantos. Lembro também de um jantar em casa para todos os artistas. Era uma sensação, uma euforia enorme de ter um jantar grande, empresários me dando presentes. Tenho também duas imagens na cabeça; uma é a Nina Hagen, e outra é a Rita Lee. Os cabelos coloridos me chamavam a atenção. [não à toa: até hoje ela gosta de pintar o cabelo com cores, digamos, extravagantes]. 
Em 1991, mais “crescidinha”, você até tirou foto com o New Kids On The Block. Você já conseguiu se envolver mais, quais as lembranças dos shows no Maracanã?

Não conseguia entender a produção ainda, mas a parte de música e de shows foi muita intensa. Eu só não fui em um dia, o do heavy metal. Eu tinha horror àquelas pessoas com coisas, com objetos de metal nos punhos e pescoço. Quando eu fui trabalhar em 2001, eu tinha o trauma em função de 1991, dos incidentes [público tentando invadir, tumulto generalizado], aquelas pessoas balançando o carro onde estava o meu pai e eu fiquei traumatizada. Quando foi em 2001, eu disse que nesse dia eu não passaria da área de produção. E para minha surpresa, foi o dia mais tranquilo e acabei ficando apaixonada pelo público, entendi melhor porque eles são muito fãs. É tudo por prazer, por diversão. Serviu para quebrar esta coisa que eu tinha. Hoje eu respeito muito os “metaleiros”.

Em 2001, com apenas 21 anos, você assumiu o controle da produção do Rock in Rio. Você não se achava muito nova para tamanha responsabilidade? Como foi encarar tudo aquilo?
Assumi a coordenação de produção, o que foi uma insanidade do meu pai. Alguma razão ele deveria ter, porque eu não produzia efetivamente, eu geria informação apenas. Eu assumi mais responsabilidade do que eu poderia. Mas funcionou bem porque eu tinha a melhor equipe de show business do Brasil para me ajudar. Eu geria equipe, tinha que ler contratos, autorizar pagamentos, mas é claro que o planejamento minucioso não fui eu quem fez. Eu brinco que aquela edição foi mestrado e doutorado em nove meses muito intensos. Eu não tinha a mínima ideia do que eu tinha que fazer, não parei para pensar. No final foi muito pesado e quando acabou eu não queria ver nada do festival. Somente três meses depois eu quis ver. A gente estava num auditório da ArtPlan [agência de publicidade dos Medina], e quando rolou uma [tomada] aérea da Cidade do Rock, só ali que eu entendi a dimensão. Fiquei presa à cadeira, paralisada com aquela imagem desconcertante de milhares e milhares de pessoas. Foi incrível.
Verdade que as pessoas olhavam com descrença, e diziam que você era “patricinha”, filha do “homem”, essas coisas? 
Na verdade eu já trabalhava com o meu pai desde 1999. Você sempre é filha. O que eu fui percebendo é que no início do evento, tinha um pouco de “Cecília”, sim, no evento, mas as pessoas me respeitavam e tinham a paciência de me ouvir, trocar opinião. Eu sozinha não tinha a menor chance de fazer nada, e todos foram muito gentis. E quando acabou, o próprio mercado e as pessoas pensaram, opa, não é só a filha, é a profissional, conquistei respeito no final de tudo.


Quais foi o pior momento que você enfrentou neste primeiro grande desafio?

Ah, sem dúvida o pior foi aquela criatura [baixista Nick Oliveri] do Queens Of The Stone Age, que tocou nu. Eu estava dentro do meu contêiner, e vendo aquilo pela TV eu pensei: ele vai botar a calça, né? Aí acabou a primeira música e nada do indivíduo se vestir. Quando vi já tinha gente do juizado de menores querendo prender o cara. Botaram o cara sentado, explicaram as regras, que ele não poderia fazer aquilo, e acabou ficando por aquilo mesmo. Mas foi uma loucura.
Rock in Rio na Europa: de quem foi a ideia, como foi montar e fazer a consolidação do festival em Lisboa e, depois, Madrid?
Meu pai sempre quis estar presente em todos os continentes. Ele queria que os shows da terceira edição fossem em 2000, pra contrariar que o mundo fosse realmente acabar. E ele, grande sonhador, como a gente brinca, queria fazer isso no mundo todo. Mas voltar a fazer aqui já era uma loucura, a gente brinca que queríamos deixar o mundo pra depois. No entanto, sempre quisemos internacionalizar a marca. Um rapaz português, um empresário, sempre vinha dizer que queria levar o festival para Portugal. E a gente não dava muita atenção. Um dia dissemos: se você marcar reunião com o prefeito, der garantias de preparar o parque, os serviços que o festival necessita, vamos lá conversar. Em duas semanas ele marcou tudo, e mais duas semanas depois o Roberto estava lá. Ou seja, em um mês assinamos o protocolo. Aí entrou a produção. Acabou ficando para mim a função de ir até lá e ajeitar a produção.
Foi e ficou, né?
Acabei ficando. Criou-se um tamanho enorme de empresa lá fora, e alguém tinha que ficar. Depois o Roberto ficou em Madrid. Lisboa é uma cidade incrível. A gente aqui tem uma velocidade muito grande, não amadurecemos muito ainda em relação a economia, equilibrar vida profissional e pessoal. Isso pra mim foi uma alegria muito grande. Aprendi muito morando lá fora. 

Verdade que a Amy Winehouse te deu calafrios em 2008, no primeiro festival em Madrid? 
[Respira fundo] Ela deixou todo mundo em pânico. Até ela pousar com o avião estava todo mundo louco. Porque naquela época [turnê do disco Back to Black, auge da sua carreira, e também do consumo de drogas] ela ficava internada toda hora. Até ela chegar foi um caos. Foi o show mais bizarro. Metade do público olhava para o telão para vê-la cambaleando, e metade ficava vendo ela dançando, até porque a banda era brilhante. No final, foi um baita sufoco, mas deu tudo certo.
Bom, hoje você está com 33 anos e é uma empresária e produtora consolidada. O que mudou da Roberta de 2001para 2011?
Olha, muda acima de tudo o conhecimento, de saber o que está fazendo, não é mais um “mergulha e vai”, agora agente pensa mais. Não mudou a personalidade, continua a mesma. Mas muda a responsabilidade, temos que mudar as funções, e hoje eu sou muito menos executiva do que eu era, o que acabou sendo processo natural.
Como está a sua rotina? Está tendo tempo para alguma outra coisa além de pensar no Rock in Rio 2011?
Trabalho, casa, casa, trabalho. Mas uma coisa eu posso dizer: Lisboa me ajudou a ter um equilíbrio maior. Voltar para o Brasil dez anos depois é como se fosse uma primeira vez. Eu ficava indo e vindo de Portugal, era muito intenso. Em março, sim, eu “cheguei” de vez. As coisas ficaram mais apertadas a partir de maio, mas como eu disse, hoje consigo conciliar melhor, a experiência européia foi muito positiva nesse sentido.
Vocês esperavam que os 700 mil ingressos se pulverizassem da forma que ocorreu? É em função do momento econômico do país, ou todo mundo estava com saudade mesmo?
Acredito que seja a soma das duas coisas. Havia, claro, uma saudade grande do festival, o público brasileiro tem esse sentimento de pertença em relação ao Rock in Rio. Ele é um evento à parte. É comparado como uma Eurocopa, em termos de relevância. É o nosso Woodstock, é marca cultural na vida de muita gente. Mas tem o momento eufórico do Rio de Janeiro e do próprio Brasil, o que não podemos deixar de lado também.

Após a confirmação do line-up, teve quem torceu o nariz para o festival por trazer bandas de rock meio “repetidas”, como foi o caso do Red Hot Chili Peppers, do Guns N´Roses, dentre outras. Qual foi o critério de escolha das atrações?
Foi puramente uma pesquisa de mercado justamente com o Ibope. De cima para baixo. Friamente falando é isso aí. Trouxemos quem o brasileiro queria ver.
O que dá para contar das exigências das bandas para este ano?
[Pensando]. Ahg, o pessoal do Red Hot pediu uma cozinha exclusiva para o chef próprio deles trabalhar. A Rihanna quer uma TV dentro do camarim com tudo que está sendo transmitido no festival. Ela quer acompanhar tudo. Mas sabe qual a exigência que eu mais gostei? Da Janelle Monáe. Ela pediu duas telas de pintura. Quer ficar pintando antes dos shows, achei simples e o máximo. Acho que hoje o mercado está muito mais profissional, não dá tempo para tanta gracinha. Em 1985, quando pediam produtos importados, era um Deus nos acuda para conseguirmos. Hoje tudo é mais acessível. Não dá mais dor de cabeça para gente.
O que dá para esperar de diferente neste Rock in Rio?
Tudo. O público nunca viu nada igual, te garanto. O festival se transformou num grande parque temático, com detalhes expressivos como as rodas gigantes, o palco Rockstreet com jazz inspirado em Nova Orleans, além dos artistas de rua vão dar este tom especial que falei. Além disso, teremos os encontros únicos do palco Sunset.
De onde pintou essa ideia de fazer estas Jam sessions tão improváveis?
O José Ricardo, gerente dos festivais open air, sempre fez estes momentos de show em que dois artistas se encontram. Ele já fez isso num show inteiro. Porque o Rock in Rio não pode ter isso? Eu não me conformava. Agora está aí para as pessoas verem se funciona ou não. Será um sucesso.
Bate-bola rápido para finalizar, Roberta: seu show preferido na história do Rock in Rio?
[Pensando] Acho que foi Billy Idol em 1991. Mas o Rod Stewart em 2008, em Lisboa, também foi demais.
A pior apresentação na sua opinião?
News Kids On The Block, em 1991. Os caras tocaram com a roupa que saíram do avião. Não dava, faltou produção.
Momento que guarda com maior carinho?
A união da equipe toda, a emoção que se coloca na realização deste evento.  

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